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Governo libera Rota 2030, mas dá menos que fabricantes queriam

10/07/2018 - 18:36 - Automotive Business - Foto: Governo Federal
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Após mais de um ano de discussões, negociações e desentendimentos, o governo finalmente liberou o Rota 2030, programa de desenvolvimento da indústria automotiva nacional que substitui o Inovar-Auto, encerrado no fim de 2017. O novo conjunto de regras, diretrizes, incentivos e metas para o setor valerá pelos próximos 15 anos, com três ciclos e revisões a cada cinco anos. A Medida Provisória (MP) que autoriza o estabelecimento do programa foi assinada de forma açodada no início da noite da quinta-feira, 5, pelo mandatário-tampão da República, Michel Temer. 

O Rota 2030 estava à espera de aprovação desde o fim do ano passado, em meio a desentendimentos entre o Ministério da Indústria (MDIC), onde o programa foi gestado, e a Fazenda, que interditou o projeto até o último minuto, por resistir em conceder incentivos fiscais à indústria automotiva. Após uma dúzia de promessas e adiamentos, o governo foi obrigado a correr para assinar a MP na quinta-feira, 5, por causa das eleições de outubro – pela legislação eleitoral, depois do dia 7 deste mês fica proibida a adoção de programas desse tipo que podem ser interpretados como propaganda de governo. 

Por isso as negociações entre ministérios e representantes das montadoras foram intensas nos últimos dias em Brasília. A Fazenda segurou até o fim, enquanto representantes da indústria, com apoio do MDIC, alegavam precisar de um programa para nortear seus planos futuros de investimento, em vias de serem decididos para os próximos anos. A Presidência da República já tinha prometido a aprovação do Rota 2030 e deu um ultimato à Fazenda, que cedeu, mas conseguiu reduzir bastante o que estava sendo pedido pelas montadoras. 

Assim o setor ficou longe de ganhar tudo que pedia – principalmente o desconto de imposto em troca de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, reduzido a apenas 10,2% a 12% dos aportes realizados. Mas ao menos o setor ganhou a maior previsibilidade sobre quais caminhos seguir que tanto defendeu, conforme destacou Antonio Megale, presidente da Anfavea, a associação que reúne os fabricantes de veículos instalados no País. 

“Com o Rota 2030, os veículos oferecidos serão cada vez mais eficientes, seguros e sustentáveis, reduzindo as emissões de CO2 e melhorando o meio ambiente e a qualidade de vida da sociedade. O País ganha ao manter uma indústria automobilística ainda mais forte, capaz de competir no mercado mundial devido aos investimentos em P&D. E o setor garante mais previsibilidade e segurança jurídica, permitindo o planejamento adequado para continuar investindo no Brasil”, declarou Megale.

Legislação básica

A MP de criação do Rota 2030 segue agora para o Congresso Nacional, que tem até 120 dias para votar a legislação – após esse prazo o instrumento perde validade. “Existem muitos deputados e senadores que defendem a necessidade de uma política industrial para o País. Recebemos o apoio de vários. Por isso não acredito em problemas para aprovar a lei”, afirma Megale. 

Depois o programa deverá receber diversas regulamentações e detalhamentos por meio de decretos presidenciais e portarias ministeriais, como aconteceu com o Inovar-Auto, que chegou ao fim sem ser totalmente regulamentado. “É justamente isso que não queremos que aconteça. Vamos batalhar para aprovar toda a legislação necessária ao andamento do programa”, pontuou o presidente da Anfavea. 

O instrumento assinado quinta-feira no Palácio do Planalto contempla as linhas gerais do programa com três medidas principais: estabelecimento de requisitos mínimos de eficiência energética e segurança veicular que todos os veículos deverão ter para serem vendidos no Brasil; criação de contribuição financeira equivalente a 2% do valor de peças hoje importadas em regime de ex-tarifário, que será destinada a fundos de desenvolvimento da cadeia de autopeças; e por fim o agora chamado “Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores – Rota 2030 Mobilidade e Logística” , que define as bases para a criação de metas e incentivos à pesquisa e desenvolvimento para empresas do setor, montadoras ou autopeças. 

O programa era ansiosamente aguardado por toda a indústria automotiva, especialmente para definição de novos investimentos. Alguns dos principais executivos do setor defenderam que a aprovação do projeto dá ao Brasil melhores condições de fazer frente às transformações tecnológicas que afetam globalmente fabricantes de veículos e componentes. Pablo Di Si, presidente da Volkswagen Brasil e América do Sul, afirma que o Rota 2030 tem potencial para tornar o País um exportador de novas tecnologias e inovações. 

“O Rota 2030 irá contribuir para que haja mais previsibilidade para a indústria automobilística, promovendo investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma, conseguiremos que a inteligência, o conhecimento, continue aqui no País, não só para atender às demandas específicas dos consumidores locais, mas também criar divisas por meio das exportações dessas inovações”, avalia Pablo Di Si.

Adicionalmente, como já tinha prometido, o governo também assinou decreto que reduz o de IPI de carros elétricos e híbridos, que chegava a 25% e agora tem três alíquotas de 7%, 11% e 18%, aplicadas dependendo do peso e eficiência energética de cada modelo. O detalhamento da nova tributação não tinha sido divulgado até a noite de sexta-feira. 

Requisitos mínimos

Será criada uma lista de requisitos mínimos de eficiência energética e segurança para todos os carros vendidos no País, sejam eles fabricados aqui ou importados. 

De imediato, a MP já prevê que todas as marcas deverão inscrever seus modelos no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBVE) do Inmetro, que executa as medições oficiais de consumo e torna os números públicos em etiquetas fixadas nos carros. Também terão de ser mantidos os níveis alcançados até 2017 pela legislação anterior do Inovar-Auto. 

A partir do padrão atual, até o fim de 2022 todos os fabricantes ou importadores de veículos leves terão obrigatoriamente de melhorar em 11%, no mínimo, a média de eficiência energética de todos os carros vendidos por empresa – o índice é medido em megajoule por quilômetro (MJ/km). Há previsão de concessão de descontos de um ou dois pontos porcentuais no IPI para modelos específicos – e não mais para a média corporativa – de veículos que conseguirem superar a meta mínima de 11% e atingirem porcentuais que ainda seguiam em discussão, mas que devem ser de 14% (para 1 pp) e 17% (2pp), em proporção igual à aplicada no Inovar-Auto. 

O programa também prevê a premiação do aumento de eficiência energética em carros flex. A melhoria de consumo alcançada rodando com 100% de etanol vai valer um bônus que ajuda as empresas a bater sua meta geral. 

Para melhorar os índices de segurança veicular, todos os veículos licenciados deverão adotar, até 2027, novos equipamentos como itens de série, com a incorporação das chamadas tecnologias avançadas de assistência à direção, como frenagem automática de emergência ou assistente eletrônico para manter o carro na faixa de rolamento. Cada sistema de segurança terá de ser listado na etiqueta veicular, junto com os dados de consumo e emissões. 

Resoluções do Contran vão estabelecer a cronograma e os prazos para uso obrigatório de cada um desses sistemas. Alguns deles, lembra Megale, ainda nem foram homologados na Europa ou Estados Unidos. Porém, as montadoras que introduzirem certo número de equipamentos antes da obrigação legal, poderão abater um ponto porcentual do IPI do modelo no qual a tecnologia de segurança foi antecipada. 

As montadoras poderão descontar no máximo dois pontos porcentuais do IPI dos carros, assim será possível obter um ponto pela introdução antecipada de equipamentos de segurança e outro por superar a meta de eficiência energética. Se utilizar os dois pontos por ultrapassar o segundo nível do objetivo de redução de consumo, o ponto extra pela segurança não poderá ser aplicado. 

Quem não cumprir essas obrigações será submetido a multas e descredenciamento do programa. 

Rota 2030 para pesquisa e desenvolvimento

A parte do programa que efetivamente adotou o nome Rota 2030 contempla a polêmica dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento – e é opcional, as empresas poderão escolher se querem ou não aderir. Qualquer participante da cadeia automotiva, seja ele fabricante de veículos ou fornecedor de autopeças, poderá se habilitar de forma opcional a receber incentivo fiscal para fazer investimentos obrigatórios em P&D no País, equivalentes a 0,8% da receita operacional a partir deste ano, crescendo gradualmente até 1,2% em 2022 (estes porcentuais ainda não foram confirmados oficialmente e podem ser objeto de modificações em portarias). 

Em troca dos aportes em P&D, receberão parte do valor investido – o MDIC fala em 10,2% – em créditos tributários que poderão ser abatidos no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) a pagar. 

Investimentos considerados estratégicos poderão gerar desconto adicional e chegar a 12% para serem abatidos nos mesmos impostos. Foram listadas as seguintes áreas de interesse para obtenção de isenção maior: manufatura avançada (4.0), conectividade, novas tecnologias de propulsão, autonomia veicular e suas autopeças, nanotecnologia, pesquisadores exclusivos, big data, sistemas de análise e preditivos (data analytics) e inteligência artificial, dentre outros. 

O não cumprimento do compromisso assumido poderá gerar multas de até 2% do faturamento. 

Os porcentuais de incentivo entre 10,2% e 12% ficaram abaixo dos 20% que vinham sendo negociados com a Fazenda até a assinatura da MP. 

“Se tivesse um pouco mais (de crédito tributário) seria bom. Mas entendemos o momento difícil que o País passa e esse valor que foi colocado será suficiente para manutenção dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento”, disse Megale.

Como alegam que não têm lucro nos últimos anos, as montadoras também não teriam como usar esses créditos em tributos que são aplicados justamente sobre ganhos líquidos. Ainda sem confirmação oficial, a Fazenda teria concordado que os créditos pudessem ser acumulados em todos os 15 anos de duração do programa, para serem utilizados quando o balanço voltar ao azul. 

Segundo o MDIC, serão concedidos créditos tributários de até o teto de R$ 1,5 bilhão por ano, mas a indústria terá de garantir investimentos mínimos em P&D de R$ 5 bilhões/ano. 

Cadeia de autopeças ganha ajuda

Ao contrário do que aconteceu com o Inovar-Auto, no Rota 2030 as empresas da cadeia de autopeças ganharam ao menos uma medida prática de incentivo. As empresas que importarem autopeças sem capacidade de produção equivalente no País, que hoje pagam alíquota reduzida de imposto de importação a 2% (dentro do regime chamado ex-tarifário), terão a tarifa reduzida a zero. Em contrapartida, deverão aportar em P&D o equivalente a estes 2%. 

Esse “pedágio” de apoio ao desenvolvimento das autopeças no País poderá ser pago por meio de fundos já existentes ou parcerias com instituições de ciência e tecnologia, universidades e organizações independentes. 

Quase todos os fabricantes de veículos no País hoje usam ex-tarifários, com redução do imposto para importar componentes “sem capacidade de produção nacional”, e com isso trazem de outros países sistemas inteiros como motores, transmissões e conjuntos eletrônicos. Especialmente as fabricantes de veículos premium, que montam carros com conteúdo nacional abaixo de 20%, vêm utilizando esse instrumento para reduzir seus custos de importação, hoje ainda mais encarecidos pela alta do dólar diante do real. 

Créditos a fabricantes premium

Segundo o MDIC, os fabricantes de veículos enquadrados em projetos de investimento do Inovar-Auto também foram contemplados pelas medidas anunciadas pelo governo, que prometeu mandar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que permite a utilização de saldo de crédito presumido de IPI. Essas montadoras reclamam que recolheram cerca de R$ 300 milhões que não foram ressarcidos. 

Conforme explica o Ministério da Indústria, durante o Inovar-Auto as empresas que investiram em fábricas no País – caso de Audi, BMW, Mercedes-Benz e Land Rover – tiveram de recolher, durante a implantação do projeto, adicional de 30 pontos porcentuais do IPI incidente sobre os veículos importados, que mais tarde passaram a ser montados no País. Esses valores seriam ressarcidos após o início da fabricação, por meio de crédito para dedução do IPI devido. Contudo, devido ao encerramento do programa, não houve tempo hábil para devolver o total devido às montadoras. 

O projeto de lei que o governo prepara deverá garantir a restituição do tributo efetivamente pago pelas empresas e que não puderam ser utilizados durante o Inovar-Auto, encerrado em 31 de dezembro de 2017.

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