Sob o forte sol de fim de tarde em Milwaukee (EUA), milhares de motociclistas se aglomeravam em frente ao Museu da Harley-Davidson. Willie G. Davidson, neto de um dos fundadores, e dois de seus filhos, Bill e Karen, faziam a contagem regressiva para o início oficial das comemorações de 110 anos da mais famosa marca norte-americana de motocicletas.
A minha volta, podia avistar uma bandeira do Peru, alguns membros de um motoclube da Indonésia, coletes com a bandeira do México, bandanas com as cores de Porto Rico e uma bandeira brasileira. Sem falar nas incontáveis referências à bandeira dos Estados Unidos. A contagem parecia uma catarse coletiva. Ao chegar no “zero”, ao invés de um enorme “Feliz Aniversário”, o letreiro eletrônico trazia uma breve mensagem aos participantes: “Welcome Home”, ou “bem-vindo a casa”. Uma saudação as mais de 150.000 pessoas, 20% da população da cidade, segundo estimativas da Harley, que rumaram à capital do estado de Wisconsin, cidade-sede da fábrica, desde que surgiu em 1903.
“Esta festa de 110 anos não é para a empresa, mas para celebrar nossos clientes", havia declarado o CEO da Harley-Davidson Inc., Keith Wandell, naquele mesmo dia, 29 de agosto, no número 3700 da Avenida Juneau, em Milwaukee. Se esse endereço, onde há 110 anos, quatro homens fundaram a Harley-Davidson Motor Company, não significa nada para você, então não vai adiantar explicar, diriam os mais aficionados.
Durante os quatro dias da grande festa, que se iniciou no museu, até o domingo, 1º de setembro, o ronco dos motores V2 tomou conta da cidade à beira do Lago Michigan, no norte dos Estados Unidos. Para onde se olhasse havia uma, duas, três, diversas Harley-Davidson e, o mais importante, milhares de motociclistas, ou harleiros, afinal, muitos deles não dizem gostar de moto, mas sim da Harley.
Apesar de ser o ápice da festa, nem mesmo as 7.000 motocicletas Harley-Davidson que cruzaram as ruas da cidade no desfile oficial demonstram como havia motos e mais motos da mais icônica marca americana em Milwaukee no último final de semana. Pude até contar quantas motocicletas de outras marcas avistei nos cinco dias em que fiquei na cidade: dois scooters e outras três motos japonesas.
Sem explicação
Estar em Milwaukee tem um significado especial, uma volta às origens, para aqueles que vêem na sigla H-D mais que uma motocicleta. Para celebrar isso não faltaram atrações. De shows com estrelas do rock como Aerosmith, Lynyrd Skynyrd, ZZ Top e Kid Rock, além de outras atrações musicais no Summerfest Grounds; as festas nas ruas das quatro concessionárias da marca em Milwaukee, no melhor estilo encontro de motociclistas; e até mesmo uma edição do famoso Ultimate Fighting Championship (UFC), com lutadores locais. Quando questionado o porquê de tanto amor por uma marca de motos, a resposta se repete: “se eu tentar explicar você não vai entender”, me disseram muitos. Difícil explicar, mas não custa tentar.
Foi isso o que fizeram Eurélio Lima e Juliana de Souza, de Londrina (PR). Parte de um grupo de 86 motocicletas com 170 pessoas, alugadas por brasileiros, o casal rodou mais de 2.000 milhas (3.200 km) em uma Electra Glide Ultra Classic de Miami até Milwaukee. “Já fizemos outras viagens de moto nos Estados Unidos, sempre de Harley”, confessou o médico proprietário de duas BMW no Brasil. “As estradas aqui são boas e o astral tem tudo a ver com a Harley-Davidson”, diz Eurélio.
Excitados por terem participado da parade, o desfile oficial de motos realizado no sábado, 31 de agosto, Juliana dispara: “a Harley não é só uma moto, é um conceito, um estilo de vida”. Boa notícia para o companheiro que, agora, acredita que ela vai apoiá-lo na compra de uma Harley-Davidson para se divertirem também no Brasil.
O mesmo espírito americano contaminou o motorista de caminhão Ken Burgardt, morador local. “Milwaukee, além das cervejas, é Harley-Davidson”, diz ele em referência às cervejarias, outro motivo pelo qual a cidade é famosa. Acompanhado da esposa, filha e dos dois filhos, Ken chamava a atenção no desfile ao lado do pequeno Robert, de quatro anos. “Não posso sair com minha Super Glide 1984 sem levá-lo para passear, se não ele fica chorando”, revela. O pequeno Robert saudava os motociclistas com um cartaz que dizia: “Welcome Home, Harley Riders” (bem-vindos a casa, pilotos de Harley).
Ícone
Além de uma motocicleta, a Harley-Davidson é um ícone americano. Não é a única fábrica de motos nos Estados Unidos, mas é sem dúvida a mais bem sucedida e famosa. A identidade com a América foi reforçada nos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando muitos soldados tornaram-se motociclistas depois de pilotar a WLA 1942, praticamente a moto oficial do exército norte-americano.
Ainda hoje isso pode ser visto nas diversas bandeiras americanas que tremulam nos bauletos das motos da família touring, as maiores do line-up, ou em bandanas nas cabeças dos motociclistas. O motor V2, o design clássico, distribuído por centenas de quilos de aço que trazem o espírito da Harley-Davidson. “Temos orgulho de fabricar todos os motores da Harley”, revela Patrick Bell, funcionário da fábrica de motores de Pilgrim Road, na cidade de Menomonee Falls, vizinha a Milwaukee.
A Harley-Davidson talvez seja a única motocicleta que proporciona diversão mesmo estacionada. Pois os fãs gostam da moto sim, mas gostam também da festa, do rock’n’roll, de se vestir da maneira que se vestem e do grupo. Não importava de onde você era, ou que língua falava: as letras H e D no peito, na pele, no boné, já eram suficientes para entrar no clima da festa e fazer amigos para um papo sobre motos ou um churrasco, outra cerveja, ou quem sabe um passeio sem capacete. Em Wisconsin não é obrigatório utilizá-lo e, no calor de mais de 30° C do verão no hemisfério norte, a grande maioria optava pelo vento no rosto em vez da segurança.
Essa irmandade, reforçada pelo HOG, o Harley Owners Group (grupo de proprietários de Harley) que, em 2013, comemora 30 anos de existência, mostra o pioneirismo da empresa no relacionamento com seus clientes, bem antes do que CRM, o tal do relacionamento com o cliente, do marketing atual se tornassem moda.
Para Matthew Levatich, atual Presidente e Diretor de Operações da Harley-Davidson Motor Company, que trabalha na empresa há 20 anos, vê essa preocupação até no lançamento da linha 2014 da marca, que traz mudanças importantes como um motor com refrigeração líquida em alguns modelos. “Não estamos fazendo isso simplesmente para anunciar novidades para o próximo ano, mas sim para atender a um pedido dos clientes”, revela.
A filosofia dá resultados. A paixão pela marca era vista em todas as partes. Desde os milhares de motociclistas que iam até a planta de Pilgrim Road, ou os outros tantos que lotavam o museu, e até mesmo nas pessoas sentadas no chão da festa de rua da concessionária House of Harley em Milwaukee. Comendo um típico hot-dog com as mãos ao som de um bom rock ou do velho ronco do motor V2. Da Harley, é claro.
* o jornalista viajou a convite da Harley-Davidson do Brasil