Os emplacamentos de veículos no País nas duas primeiras semanas de abril confirmam a estagnação do mercado, puxado para baixo pelo arrocho do crédito causado pelo aumento da inadimplência. Dos dias 1º ao 13 deste mês, foram licenciados 118.956 automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, segundo fonte de Automotive Business com acesso aos dados do Registro Nacional de Veículos, o Renavam. Em nove dias úteis, a média diária é de 13,2 mil, um pouco acima do índice de 12,8 mil/dia dos primeiros 11 dias úteis de março passado. A pequena variação positiva, de 3%, comprova a desaceleração dos negócios.
Toda a explicação para o fraco desempenho está no comportamento mais seletivo dos bancos em aprovar os financiamentos, especialmente dos clientes de menor renda, que precisam de planos mais longos, para diluir o valor das prestações. “Guardadas as devidas proporções estamos entrando em um estouro de bolha de consumo de veículos financiados, muito parecida com a crise do subprime americana de 2008/2009”, avalia o economista Ayrton Fontes, consultor independente especializado em varejo automotivo.
Fontes explica que, da mesma forma que houve expansão exagerada na concessão de crédito para consumidores de baixa renda financiarem imóveis nos Estados Unidos, no Brasil, nos últimos cinco anos, “observamos o mesmo fato nos financiamentos de veículos, principalmente nos planos de 60 meses sem entrada”. Com as prestações comprometendo boa parte da renda por um longo período, a bolha do crédito automotivo começou a estourar agora.
O economista calcula o tamanho do rombo: “O saldo dos contratos ativos de financiamento para veículos novos e usados, somente em CDC (crédito direto ao consumidor), deve ter ultrapassado R$ 175 bilhões em março passado. Considerando a inadimplência próxima dos 6% nos atrasos com mais de 90 dias (não passava de 3% há um ano) e de 26% em prestações atrasadas entre 15 e 90 dias, chegaremos a um volume próximo de R$ 56 bilhões em atraso nas carteiras dos bancos que operam nesse segmento.” Considerando também os contratos de leasing, o valor total da inadimplência pode superar R$ 70 bilhões.
O valor calculado dos calotes é proporcional ao tamanho da cautela das financeiras, que puseram o pé no freio na hora de aprovar novos empréstimos. “Em 2010, de cada dez fichas, os bancos aprovavam sete. Hoje a média não passa de quatro ou cinco”, disse ao jornal Valor Econômico o presidente da associação dos concessionários (Fenabrave), Flávio Meneghetti. Embora a inadimplência da carteira de veículos, de 5,5% em fevereiro, seja proporcionalmente inferior à média do mercado, de 7,6%, o valor em atraso a receber é maior em comparação a outras modalidades de crédito, o que compromete seriamente os índices de comprometimento tolerados pelas instituições financeiras. Daí a desconfiança.
“É evidente que o fato não deve provocar quebra de bancos, nem contaminação da economia, porém é muito preocupante o cenário de curto e médio prazos, pois assim como nos Estados Unidos na época da crise do subprime, os bancos aqui no Brasil já estão com sérios problemas na administração dessas carteiras”, afirma Fontes, em referência aos limites prudenciais adotados pelo setor bancário. Com isso, os principais bancos que atuam no segmento de financiamento de veículos, como Itaú e BV Financeira (atualmente controlada em partes iguais pelo Grupo Votorantim e Banco do Brasil), reduziram o volume de concessões.
Na semana passada, pressionado pelo governo, o Banco do Brasil reduziu sensivelmente o juro cobrado nos financiamentos de veículos – a melhor taxa caiu para 0,99% ao mês (leia aqui). A medida já provocou efeito prático, com aumento de 33% de um dia para outro nas concessões para compra de carros. Essa é a esperança da Anfavea, a associação dos fabricantes, para salvar o ano: “Com a queda do juro, a prestação fica menor. Pode ser que, antes, a pessoa não conseguisse aprovação para uma parcela de R$ 500 por mês, mas pode ser que agora consiga para uma de R$ 450”, avaliou Cledorvino Belini, presidente da entidade, ao comentar a redução das taxas anunciadas pelo BB, que na avaliação dele tem o poder de influenciar a concorrência e incentivar a retomada do crédito no setor.
Comparação distorcida
A comparação dos 118.956 veículos emplacados nas duas primeiras semanas de abril com a primeira quinzena de março (140.836 unidades) e de abril de 2011 (159.033) mostram quedas bastante acentuadas este mês, de 15,5% e 25%, respectivamente. Contudo, essa relação fica distorcida pelo maior número de dias úteis computados em ambos os meses comparados. O feriado da Semana Santa reduziu em um dia o volume de emplacamentos. Por isso é mais exata a análise pela média diária de emplacamentos.