As concessionárias devem diminuir os ganhos com financiamentos de veículos a partir do fim deste mês. Em 24 de fevereiro, começam a vigorar as normas da Resolução 3954 do Conselho Monetário Nacional (CMN), editada há quase um ano, que transforma em correspondentes bancários as revendas que quiserem vender esses contratos de crédito. De acordo com a nova regulamentação, os concessionários não poderão mais cobrar comissões nem tarifas sobre os financiamentos vendidos nas lojas. Vão receber remuneração dos bancos para prestar esse serviço e não poderão mais embutir retornos no custo dos empréstimos, como vinham fazendo.
Nos últimos anos, as comissões sobre os financiamentos contraídos nas lojas de veículos se transformaram em compensação para as margens apertadas nas vendas de carros, especialmente os zero-quilômetro. Para enfrentar a concorrência cada vez mais acirrada com preços menores, muitos concessionários deixaram de ganhar na venda do bem em si, por vezes até praticando margens negativas, e compensaram essas perdas com os chamados “retornos” das financeiras.
Ayrton Fontes, consultor independente de varejo automotivo, lembra que a prática dos retornos de financiamento de veículos teve início no fim dos anos 90. “Era uma maneira que os bancos acharam para conseguir seus contratos. Eles ofereciam naquela época um prêmio de 2% do valor financiado por contrato captado, que normalmente era oferecido ao vendedor”, conta. Porém, com o estreitamento das margens, foram os donos das lojas que enxergaram nas comissões uma forma de ganhar dinheiro. “Na última década a disputa dos bancos e a ganância dos concessionários distorceu totalmente o negócio, a ponto de serem aplicados retornos de até 20% em 2005 e 2006”, revela Fontes.
Práticas abusivas
O consultor destaca que os altos ganhos com as gordas comissões financeiras incentivaram o nascimento das grandes redes de concessionárias, os chamados “mega delears”. Os bancos adiantavam milhões em troca da garantia de contratos futuros.
Fontes explica como esse processo era feito: “O banco colocava sua taxa e permitia que o concessionário aumentasse o porcentual conforme quisesse, inclusive com a cobrança ilegal da TAC (taxa de abertura de crédito) que variava de R$ 700 a R$ 1,3 mil, sempre embutida no financiamento.”
Essa prática encarece bastante o financiamento e deixava poucas opções aos consumidores. Atraídos pelo valor da prestação que cabe no bolso, os clientes nunca se importaram muito com os altíssimos juros cobrados, que muitas vezes mais que dobram o valor total pago pelo carro. Os vendedores costumam mostrar ao interessado uma planilha da própria concessionária, com as comissões embutidas nas prestações.
A resolução do CMN coloca certa ordem nesse mercado e passou a proibir esse tipo de procedimento. A partir do dia 24 deve ser mostrada ao comprador a tabela do banco que a concessionária representa como correspondente, sem nenhum tipo de adição. Fica vedada a cobrança dos clientes de tarifas, comissões ou prestações de serviço financeiro. Quem paga o concessionário agora é o banco, de acordo com livre negociação entre as partes. Adicionalmente, os concessionários têm mais dois anos de prazo para treinar pessoal específico para a concessão de crédito, colocando ao menos um funcionário responsável pelo encaminhamento dos pedidos de financiamento.
Ganhos menores
“Nossos ganhos vão diminuir”, admite Flávio Meneghetti, presidente da Fenabrave, a associação dos concessionários. “Mas a regulamentação torna a relação com o cliente mais transparente. Vamos nos adaptar aos poucos. Teremos de encontrar outras formas de devolver rentabilidade ao negócio.”
Os ganhos com os financiamentos já estavam menores desde o fim de 2010, quando o Banco Central baixou medidas macroprudencias que obrigaram os bancos a recolher depósitos compulsórios maiores nos financiamentos de longo prazo e sem entrada. Com rentabilidade menor, as financeiras fecharam a torneira das altas comissões. “A prática do retorno foi diminuída para o máximo de 6% e não se cobrou mais a TAC para o concessionário, só uma taxa de R$ 30 do banco”, explica Fontes.
“Durante 2011 a chiadeira dos concessionários foi geral, pois além de verem os ganhos reduzidos com o retorno, sofreram com a falta de margem imposta pela concorrência acirrada que se observa atualmente”, conta o consultor. Segundo ele, por conta da situação atual de baixa rentabilidade muitos concessionários dizem que topam vender o negócio.
O cenário é de impasse: margens reduzidas (ou até mesmo zeradas ou negativas), concorrência crescente e competição com locadoras de veículos, que compram carros com grandes descontos (algo como 30%) e os revendem como seminovos. Essa distorção não poderá mais ser compensada pelos retornos dos financiamentos. Segundo Meneghetti, o único caminho é negociar com os fabricantes. “Vamos conversar, é o grande assunto deste ano”, diz o dirigente.
Até agora as montadoras, especialmente as quatro maiores (Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford), se mostraram inflexíveis em dar aos concessionários os mesmos descontos concedidos a frotistas. Mas agora, sem as comissões das financeiras que mantinham a relação em banho-maria, as negociações podem atingir ponto de ebulição. O número de concessionárias pode ser reduzido – ou, segundo já ameaçam alguns, o setor pode se transformar em uma grande locadora de fachada.