Tomadas de surpresa pela regulamentação do novo regime automotivo brasileiro, ditada pelo Decreto 7567, de 15 de setembro, empresas que preparavam R$ 47,93 bilhões em investimentos para construir novas fábricas de veículos e lançamento de produtos vão colocar o pé no freio e refazer estratégias. Algumas deverão confirmar e acelerar os projetos, mas outras podem até mesmo desistir de empreendimentos já anunciados. Sérgio Habib, presidente da JAC Motors, confirmou o aporte de US$ 600 milhões para inaugurar uma fábrica local até 2014.
A inesperada proposta da equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que contrariou Fernando Pimentel, do MDIC, reforça as ações protecionistas do governo em favor da indústria já existente e cria obstáculos significativos a programas de empresas que não sejam as já estabelecidas no país. O ponto central do decreto, a elevação do IPI em 30 pontos para veículos que não obedecerem a critérios mínimos de conteúdo nacional, provocará um aumento de até 28% no preço final dos carros que não se enquadram na legislação. Um Chery QQ passaria de R$ 23.990 para R$ 30.707 e o JAC J3 de R$ 37.900 para R$ 48.512, se considerado o impacto máximo, segundo cálculos do Jornal do Carro.
A bombástica exigência, endereçada a carros que não tenham 65% de peças produzidas no Mercosul, fere profundamente a maioria dos importadores associados à Abeiva, que não têm fábrica no país -- em especial as chinesas e coreanas, cujos carros populares serão duramente afetados. No final de semana a entidade publicou carta aberta à Presidência da República pedindo a revisão do decreto, alegando que ele fere os interesses do consumidor, as normas básicas do comércio internacional e a Constituição Brasileira. Segundo a Abeiva, o aumento de 30 pontos percentuais na alíquota do IPI representa acréscimo de 120% a 428% sobre as alíquotas até então vigentes.
A carta enfatiza que a iniciativa significa ação protecionista às montadoras locais (que são as maiores importadoras) e ao mesmo tempo inviabiliza comercialmente o setor de importação de veículos automotores. "Os carros importados pelas 27 marcas que não possuem fabrica no Brasil representam apenas 5,8% do mercado brasileiro no acumulado de janeiro a agosto último. E se considerarmos somente os produtos de nossas associadas que concorrem diretamente com a indústria local, ou seja, até R$ 60 mil por carro, a participação dos importados da Abeiva cai para 3,3%", enfatiza a Abeiva, assinalando que os importados contribuem para equilíbrio de preços e acesso a novas tecnologias.
As reações ao novo decreto foram divergentes. Enquanto a Abeiva protestou, a Fiesp considerou bem-vinda a decisão do governo de aumentar as alíquotas do IPI para veículos importados e para aqueles que não tenham 65% de componentes fabricados no país. “É preciso aproveitar a sensibilidade do governo com as circunstâncias para avançar em outras medidas, como a desoneração da folha de pagamentos para todos os setores da indústria e o combate à guerra fiscal dos portos, que também rouba empregos dos trabalhadores brasileiros”, declarou Paulo Skaf, presidente da entidade.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo considerou positivo o aumento do IPI, como forma de frear a avalanche de componentes e de veículos importados, que estão prejudicando a indústria nacional e os empregos. Ademar Cantero, diretor da Anfavea, disse que a elevação do IPI é a primeira fase para se preparar um programa efetivo de competitividade, inovação e tecnologia para a indústria automotiva nacional.
O Sindipeças já havia se manifestado favoravelmente à iniciativa do governo, mas alerta para a necessidade de esclarecer o que é 'conteúdo nacional ou regional' e defende rígida fiscalização de procedimentos que mascaram a importação de peças asiáticas, carimbadas como originárias do Mercosul.
O ex-ministro do MDIC, Miguel Jorge, foi incisivo: "As medidas são estranhas e desnecessárias. A decisão pode afastar as montadoras que planejam investir e construir novas fábricas no país", disse à jornalista Anne Warth, do Estadão.
A Fazenda decidiu avançar com o projeto de elevar o IPI e correr o risco de enfrentar processos na OMC. Isso poderá até acontecer, mas a avaliação costuma ser demorada e o decreto terá efeito apenas até o final de 2012. Na prática, é possível que a equipe econômica flexibilize o decreto para viabilizar investimentos em curso, enquanto algumas ações chegarão à Justiça. É previsível uma corrida às compras de veículos importados e, depois, um aumento de preços inferior ao projetado, já que as tabelas de preços têm folga de sobra para compensar o efeito na elevação do IPI.
Para o consumidor, resta torcer que o aumento de preço dos importados seja compensado pelas propostas embutidas no novo regime automotivo, que nasceu do Plano Brasil Maior: maior conteúdo aos veículos nacionais e uso de peças brasileiras, o que traria, indiretamente, preservação de empregos. Seria demais, também, pedir que os preços dos nossos carros não subam?
As exigências do decreto
Para muitos observadores, o conteúdo do decreto 7567, que permite usufruir até 31 de dezembro de 2012 da redução de alíquotas, é alopático, isto é, baixa a febre das importações mas pouco acrescentará em ganho de competitividade ao organismo. O ponto a atacar seriam as fragilidades da infraestrutura, a burocracia, o excesso de tributos, o custo extraordinário de insumos como o aço, a água e a energia. Todos esses aspectos, somados, seriam mais efetivos para atrair investimentos e trazer força local para enfrentar a invasão estrangeira. A conquista do emprego está distante de ser justificada pelo pacote atual, já que volume maciço das importações continuará sendo feito pelas próprias montadoras locais, que têm braços no México e no Mercosul.
Para obter a redução de IPI será necessário comprovar 65% de conteúdo regional médio para cada empresa e a realização de investimentos em atividades de inovação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produto no país, correspondentes a pelo menos meio por cento dareceita bruta total de vendas de bens e serviços, excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda. Será preciso, ainda, realizar uma série de atividades produtivas na produção, como estampagem, soldagem, tratamento anticorrosivo, fabricação de motores e fabricação de transmissões.
A equipe econômica atuou pressionada pela presidente Dilma Roussef e teve oportunidade de avaliar estudos e propostas encaminhadas aos ministérios durante quase um ano. A ideia de elevar o IPI, para conceder desconto a quem cumprir as exigências propostas, já vinha sendo analisada há algumas semanas e acabou vazando. Na reunião mensal com os jornalistas, dia 14, o presidente da Abeiva, José Luiz Gandini, presumindo o conteúdo do novo decreto, atacou firme: "Será um absurdo elevar o IPI. O que a indústria quer é conseguir um diferencial competitivo sem precisar investir em tecnologia. Os importadores não podem ser prejudicados por causa de falta de avanços tecnológicos das montadoras nacionais”, afirmou, lembrando que as associadas da entidade pagam um pênalti de 35% de imposto de importação.
Investimento em dobro
Levantamento de Automotive Business indicou que até a véspera da edição do Decreto 7567 fabricantes de automóveis, comerciais leves, caminhões, chassis de ônibus e autopeças programavam investimentos de R$ 47,93 bilhões no setor automotivo brasileiro entre 2011 e 2015, com o objetivo de expandir o parque industrial, desenvolver produtos e tecnologias e, ainda, capacitar pessoal. A projeção, que retrata aplicações de R$ 9,59 bilhões/ano, representa quase o dobro do ritmo de aportes nos 16 anos anteriores, de R$ 5,37 bilhões/ano, somando US$ 50 bilhões, incluindo máquinas agrícolas e autopeças.
As fabricantes de veículos manifestaram a intenção de aplicar R$ 39,43 bilhões no Brasil no período, o equivalente a US$ 23,19 bilhões. A taxa cambial de referência é US$ 1 = R$ 1,7. Para acompanhar o compasso das montadoras, o setor de autopeças precisa dispor de US$ 1 bilhão por ano.
É razoável supor que um agravamento da crise financeira originada na Europa e as dificuldades da economia norte-americana possam retardar a conclusão dos projetos. Em contrapartida, vale lembrar que não foram computados os investimentos da Foton Motors (US$ 500 milhões, a serem melhor definidos), NC2 (fabricante de caminhões da Navistar e Caterpillar), BMW e Effa Motors (duas fábricas, uma com a Lifan e outra própria, abastecida pela Hafei, cada uma recebendo US$ 100 milhões). Há, ainda, diversas montadoras chinesas prospectando o mercado brasileiro. A Nissan pode anunciar em breve uma nova fábrica no Paraná e as marcas francesas reforçarão os aportes na região para ganhar mercado, como já indicaram a Renault e, na quinta-feira, 15, a PSA Peugeot Citroën.
Em 2010 o faturamento do setor automotivo (veículos e autopeças) somou US$ 107,6 bilhões, o equivalente a 22,5% do PIB industrial e 5,2% do PIB total. Foram recolhidos pelo setor US$ 27,7 bilhões em tributos. As exportações representaram US$ 20,1 bilhões (com máquinas agrícolas e autopeças) e a balança comercial registrou déficit de US$ 6 bilhões.
Em 2010 o Brasil foi o sexto maior produtor global de veículos (3,64 milhões). O mercado interno absorveu 3,51 milhões de veículos.
A indústria automobilística emprega direta e indiretamente 1,5 milhão de pessoas e promove relações entre 200 mil empresas. A capacidade instalada em 2010 era de 4,3 milhões de autoveículos/ano e 109 mil máquinas agrícolas/ano. O parque industrial dos associados da Anfavea, entidade dos fabricantes de veículos e máquinas agrícolas, reúne 53 plantas em 39 municípios de nove estados. O setor abriga, ainda, cinco centenas de empresas de autopeças e 4.554 concessionárias de veículos.
Aportes projetados até 2015
AUTOPEÇAS
R$ 8,5 bilhões
Segundo indicações recentes do Sindipeças, a demanda para acompanhar as montadoras pode exigir pelo menos US$ 1 bilhão por ano até 2015.
CHERY
R$ 680 milhões
A fábrica em Jacareí, SP, receberá R$ 130 milhões na primeira fase e será inaugurada em 2013, para produzir 50 mil unidades por ano. Uma segunda etapa, até 2015, receberia US$ 270 milhões para elevar a capacidade a 150 mil unidades/ano. Segundo o projeto original, os carros teriam inicialmente 30% de conteúdo local (50% em 2015).
GRUPO FIAT
R$ 10 bilhões
A Fiat programa investimento de R$ 10 bilhões até 2014, dos quais até R$ 4 bilhões serão destinados à unidade de Goiana, em Pernambuco. As demais empresas do grupo devem fazer aportes de R$ 4 bilhões no período, dos quais R$ 1 bilhão da Iveco, R$ 1 bilhão para motores e R$ 700 milhões da CNH. Além das aplicações da Fiat Automóveis o polo automotivo de Pernambuco pode atrair outros R$ 3 bilhões em investimentos de parceiros de negócios. A Fiat solicitou já R$ 5,8 bilhões a fontes públicas para atender aportes dela, das demais empresas do grupo e parceiros: R$ 1,2 bilhão do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, R$ 800 milhões do Banco do Nordeste e R$ 3,8 bilhões do BNDES.
FORD
R$ 4,50 bilhões
A Ford aplicará R$ 4,5 bilhões de 2011 a 2015, para ampliar a capacidade das plantas e desenvolver o novo EcoSport e um veículo global.
FORD CAMINHÕES
R$ 670 milhões
A Ford Caminhões faz aportes de R$ 670 milhões até 2013 dentro do programa de desenvolvimento da nova linha Cargo (13 a 31 toneladas) e modernização da fábrica de São Bernardo do Campo, SP, que passará a produzir 22 caminhões por hora.
GM
R$ 5 bilhões
A GM do Brasil faz aporte de R$ 350 milhões na fábrica de motores de Joinville, SC, e tem investimentos já anunciados de R$ 1 bilhão por ano até 2012, para renovação do portfólio de veículos e a expansão das fábricas. As aplicações da empresa no País são da ordem de R$ 1 bilhão por ano.
HONDA
A Honda não fala sobre novos investimentos, informação considerada estratégica. A empresa transferiu a produção do City para a Argentina e parece ter desistido de produzir no Brasil um carro pequeno.
HYUNDAI CAOA
R$ 600 milhões
O grupo Hyundai Caoa informou no início do ano investimento de R$ 600 milhões na fábrica de Anápolis, GO, para a produção do caminhão leve HD 78 e, em 2012, do utilitário-esportivo ix35. A unidade, que já recebeu R$ 800 milhões, produz o minicaminhão HR e o utilitário Tucson ao ritmo de 4,5 mil unidades/mês. A projeção para o HD, com motor FPT e 40% de componentes locais, é de mil unidades mensais em 2012. A empresa destinou R$ 519 milhões no primeiro semestre a propaganda em impressos, rádio e TV, ficando com a quinta posição no ranking desses investimentos (a líder Casas Bahia aplicou R$ 1,6 bilhão).
HYUNDAI
R$ 1,02 bilhão
Com investimento previsto de US$ 600 milhões na construção da fábrica em Piracicaba, SP, a montadora coreana pretende fabricar até 150 mil veículos por ano na nova planta, a partir do 2° semestre de 2012. Haverá 1.500 empregos diretos.
JAC MOTORS
R$ 900 milhões
Sérgio Habib, dono do grupo de concessionárias SHC e representante da JAC Motors, anunciou investimento em conjunto com a empresa chinesa de R$ 900 milhões em fábrica de carros da marca no Brasil. Ele já discute a viabilidade do aporte ante a edição do Decreto 7567.
KIA MOTORS
A Kia Motors do Brasil já desenvolveu motor flex para os veículos importados da Coreia, mas não tem planos para instalar fábrica no País. A empresa monta uma versão do Bongo em Montevidéu, no Uruguai, por meio da Nordex, que é exportada para o Brasil.
MAN
R$ 1,5 bilhão
A empresa vai anunciar ainda este ano novos aportes para a unidade de Resende. Serão expressivos, disse o presidente Roberto Cortes. A MAN já faz investimento de R$ 1 bilhão no Brasil de 2010 a 2015, incluindo a instalação de uma nova linha de montagem (R$ 150 milhões) para 5 mil veículos/ano (em SKD) dos caminhões extra-pesados MAN TGS e TGX, em Resende, RJ, e estruturação da unidade de motores na MWM International, em São Paulo. ArvinMeritor, Maxion e Suspensys irão investir entre R$ 85 milhões em instalações no parque de fornecedores de Resende. Estimamos um total de aportes de R$ 1,5 bilhão da MAN até 2015.
MERCEDES-BENZ
R$ 1,2 bilhão
A Mercedes-Benz investe R$ 1,2 bilhão para aumentar a capacidade da planta de São Bernardo do Campo, SP, de 65 mil para 75 mil unidades/ano, e adequar a fábrica de Juiz de Fora, MG, onde produzirá o pesado Actros e o leve Accelo. A empresa deve anunciar reforço nos aportes até 2015.
MITSUBISHI
R$ 1 bilhão
A Mitsubishi aplicará R$ 1 bilhão em novos produtos e ampliação da unidade de Catalão, em Goiás. O Dakar chegou em 2011. O Lancer virá em 2012.
PACCAR/DAF
R$ 340 milhões
Até 2013, a montadora investirá US$ 200 milhões para construir uma fábrica com 330 mil m² em Ponta Grossa, PR, onde produzirá cavalos mecânicos DAF das linhas LF, CF e XF.
PEUGEOT CITROËN
R$ 2,0 bilhões
A PSA Peugeot Citroën investe R$ 1,4 bilhão até 2012 no desenvolvimento de projetos de veículos das marcas Peugeot e Citroën, além de novos motores. A empresa vai anunciar novas aplicações no aumento da capacidade de produção do Centro de Produção de Porto Real.
RENAULT
R$ 1,5 bilhão
A empresa fará aporte de R$ 1 bilhão até 2012 em desenvolvimento de tecnologia e novos produtos, mas terá que fazer novos investimentos para acompanhar os concorrentes. O anúncio deve ser feito durante o lançamento do Duster.
SUZUKI
R$ 100 milhões
A empresa anunciou R$ 100 milhões para produzir 7 mil unidades/ano do jipinho 4x4 Jimny. Há planos de avançar com os investimentos.
TOYOTA
R$ 1,02 bilhão
A empresa aplicará US$ 600 milhões para inaugurar a fábrica de Sorocaba em 2012, onde pretende produzir 70 mil veículos compactos por ano e criar 1.500 empregos diretos.
VOLKSWAGEN
R$ 7,2 bilhões
O número oficial dos aportes é R$ 6,2 bilhões até 2014, mas é preciso descontar o valor correspondente ao patrocínio da Copa do Mundo. 40% do restante serão destinados para elevar a capacidade de produção a um milhão de carros por ano até 2014 e 60% para novos produtos. Metade dos recursos virá da Alemanha. É o maior aporte da empresa no País. Durante a feira de Frankfurt o presidente Thomas Schmall anunciou a construção de uma nova fábrica no Brasil, disputada por seis estados, com recursos da ordem de R$ 1 bilhão.
VOLVO
R$ 200 milhões
A empresa reserva R$ 200 milhões para unidade de Curitiba, PR, para ampliar a produção e implantar uma linha de produção de ônibus híbridos (motores elétrico e a biodiesel).