O governo decidiu correr o risco de enfrentar problemas no âmbito da Organização Mundial do Comércio ao elevar o IPI para os carros que não tiverem 65% das peças produzidas no Brasil. A possibilidade de questionamento junto ao órgão foi levantada diversas vezes durante as reuniões interministeriais que antecederam o anúncio das medidas, consideradas “absurdas” pelo presidente da Abeiva, José Luiz Gandini, que fala em nome dos importadores sem fábrica no país.
Rabih Ali Nasser, sócio da Nasser Advogados e professor da Fundação Getúlio Vargas, disse à jornalista Raquel Landim, do Estadão, que as medidas anunciadas pelo governo têm dois pontos sensíveis: “A OMC proíbe discriminação entre produtos locais e importados e não permite exigência de conteúdo nacional".
Nasser explicou à jornalista que, apesar de não ter sido anunciada como uma barreira aos importados, se a medida tiver esse efeito o Brasil pode ser penalizado. Pelas regras da OMC, o único imposto que pode ser discriminatório é o de importação. Outro problema apontado pelo especialista é que os acordos internacionais proíbem atrelar benefícios fiscais à exigência de conteúdo nacional. Ao determinar que 65% das peças devem ser feitas localmente ou no Mercosul, o País desrespeita essa regra.
A jornalista lembra, em artigo no Estadão desta sexta-feira, que a China exige que as montadoras estabeleçam joint-ventures com empresas locais. Já o Canadá cobra um alto imposto interno para carros, mas concede descontos para empresas que apresentam planos de investimento em pesquisa e tecnologia.
Os técnicos dos ministérios do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia chegaram a cogitar o estabelecimento de um crédito-presumido de IPI para montadoras que apresentassem projetos de investimento em pesquisa e tecnologia, mas foram vencidos pela Fazenda, que argumentou que as medidas seriam muito complexas.
Na quarta-feira, em reunião com jornalistas, Gandini já havia antecipado duras críticas ao governo, depois de obter informações de bastidores sobre o caminho adotado pelo governo para frear o avanço das importações. Ele tem repetido sistematicamente que as montadoras locais são as grandes responsáveis pelas importações, trazendo veículos do México e do Mercosul. O presidente da Abeiva afirma também que a elevação do IPI é inconstitucional, pois entra em vigor imediatamente, quando as mudanças deveriam obedecer a uma quarentena de noventa dias.