“Um homem saiu em busca da América. Não a encontrou em lugar algum”, dizia o pôster do filme “Easy Rider” (traduzido como “Sem Destino” para o português). Em compensação, milhões de jovens de todo o mundo encontraram um ídolo, Peter Fonda, e a inspiração para sair em busca de seu próprio estilo de vida. Há 40 anos, exatamente em 14 de julho de 1969, jovens descalços e com roupas floridas aglomeravam-se na entrada do Teatro Beekman, em Nova Iorque (EUA), para assistir à estréia do longa metragem em solo americano.
Fonda, então com 29 anos, fazia o papel do hippie Wyatt em “Sem Destino”. Wyatt e seu companheiro Billy, vivido por Dennis Hopper, subiam em suas motocicletas e cruzavam os Estados Unidos. Fonda pilotou uma das mais famosas motos do cinema: a lendária Harley-Davidson FLH da Polícia transformada em uma chopper de garfo alongado e com a pintura da bandeira norte americana no tanque.
Com um roteiro despretensioso, “Sem Destino” contava a história dos dois hippies que, com o dinheiro de uma grande venda de cocaína, partiam da Califórnia em suas motos rumo à festa de Mardi Gras, o “carnaval” de Nova Orleans. No caminho, são presos e conhecem na cadeia o advogado alcoólatra George Hanson, atuação brilhante de Jack Nicholson em início de carreira que lhe rendeu a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
Sob o efeito da maconha
O escritor e crítico de cinema americano Lee Hill conta no livro “Sem Destino” (104 páginas, Editora Rocco) que Peter Fonda teve a idéia para o roteiro em 1967, após fumar um “baseado” e olhar a foto de “The Wild Angels” (1966), que o mostrava junto a Bruce Dern em frente a duas motocicletas. Sob o efeito da maconha, nasceu da cabeça do filho de Henry Fonda a idéia do filme, que mudaria Hollywood para sempre, sintetizando os medos e as esperanças dos anos 60. “Eu e Dern seremos os caubóis modernos”, imaginou Fonda.
Com roteiro escrito em conjunto com Dennis Hopper e Terry Southern, “Sem Destino” foi filmado em apenas sete semanas com um orçamento de US$ 365 mil, modesto até para a época.
Exibido pela primeira vez em Cannes em maio de 1969, o filme foi ovacionado em pé no Festival francês. Hopper, que dirigiu a produção, levou o prêmio de melhor diretor estreante.
“Sem Destino provou que era possível fazer bons filmes com baixos orçamentos. Foi um grande filme”, relembra Renzo Querzoli, 57 anos, diretor de filmes publicitários e também do documentário “Alma Selvagem – Amor por Motocicletas” (2007). “Mas também foi muito mais que isso. O filme tratava de drogas, prostituição e outros temas que, se ainda são tabus até hoje, imagine naquele tempo”, acrescenta Renzo, motociclista e que nos anos 60 já pilotava uma pequena Gilera de 175cc.
O professor de cinema da Universidade de Chicago, cineasta e crítico de renome, Roger Eberet compartilha da opinião. Tanto que coloca “Easy Rider” na lista dos Grandes Filmes, em seu site (www.rogerebert.com). “Algum dia seria inevitável surgir um grande filme sobre motocicletas da mesma forma que os grandes filmes de Velho Oeste fizeram todos perceber que eram uma legítima manifestação artística norte americana. “Easy Rider” é esse filme”, escreveu Ebert em sua crítica publicada em 1969.
“Sem Destino” retratou os anseios de grande parte dos jovens americanos do final da década de 60. Lançado um ano depois da revolta estudantil em Paris, o filme marcava o auge da contra cultura, do Power flower hippie, às vésperas do Festival de Woodstock, realizado em agosto daquele ano. Foi um sucesso de público. Faturou mais de 60 milhões de dólares em todo o mundo. Além da indicação de Nicholson a melhor ator coadjuvante, “Sem Destino” concorreu ao Oscar de 1970 na categoria melhor roteiro original.
Livre, em cima de uma moto
“Easy Rider” não foi o primeiro filme em que as motocicletas tinham um papel importante. “The Wild One” (O Selvagem, 1953) com Marlon Brando fica com esse título. Mas além da efeméride de se tornar quarentão, o road movie de Fonda e Hopper é celebrado pois contribuiu para tornar a motocicleta um ícone de liberdade. Na época, Peter Fonda declarou que seu personagem representava aqueles que acreditam que a liberdade pode ser conquistada, que acreditam na possibilidade de ser livre em cima de uma moto ou fumando um cigarro de maconha. Quem não se lembra da cena em que Wyatt (Fonda) joga fora seu relógio antes de pegar a estrada?
“Aquelas motos não existiam por aqui. Nunca tínhamos visto motos daquele jeito”, relembra Querzoli. Tanto que no imaginário de muitos motociclistas as motos custom, chopper no estilo da moto Capitão América, são a tradução do espírito livre em duas rodas. A própria Harley-Davidson usa o chavão em sua publicidade.
Dois exemplares da famosa chopper com a bandeira dos Estados Unidos no tanque foram usados em “Easy Rider”. Uma delas foi queimada nas filmagens e a outra desapareceu misteriosamente do set. Para a felicidade dos fãs, na celebração dos 30 anos do longa foi construída uma réplica fiel com a ajuda de Peter Fonda, motociclista até hoje, e dos construtores do modelo original. Quem quiser ver ao vivo a moto mais famosa do cinema pode ir ao Harley-Davidson Museum, inaugurado em 2008 para celebrar os 105 anos da marca. Localizado em Milwaukee, Estados Unidos, o Museu traz ainda a moto de Billy (Hopper). Ou se preferir passe na locadora mais próxima, alugue o DVD e celebre: “Easy Rider” agora é quarentão.