Pensando em preservar a integridade física do motociclista e, consequentemente, diminuir o número de acidentes, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou em 7 de abril, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 2650/03, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) e proíbe os motociclistas de trafegar nos corredores entre veículos. Agora a proposta segue para análise do Senado.
Polêmico, o projeto retoma a redação original do Código de Trânsito Brasileiro sobre motocicletas, vetada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sob a alegação de que a prática é largamente utilizada em todo o mundo.
Agora, o relator da proposta na CCJ, deputado Hugo Leal (PSC-RJ), assinalou que o próprio código estabelece como diretriz "o trânsito em condições seguras", e que a proibição é condizente com esse princípio.
De autoria do deputado Marcelo Guimarães Filho (PFL-BA), o projeto determina que o motociclista deverá observar a distância lateral de 1,5 metro dos carros em circulação. Assim, a medida inviabiliza o hábito dos motociclistas de seguir pelos corredores formados entre carros no caso de congestionamentos. Mas há estatísticas que concluem que a maioria dos acidentes de com motociclistas acontece nos cruzamentos e não nos corredores. Agora, para ser aprovado, esse projeto de lei deverá ser discutido no Senado Federal.
Prós e contras
Se aprovada pelo Senado e sancionado pelo presidente Lula, a nova lei será bastante impopular entre os motociclistas. Sinônimo de agilidade, a moto foi incorporada ao modo de vida dos grandes centros. Para muitos motociclistas, circular no corredor é a única solução para dar vazão ao trânsito carregado das metrópoles e conseguir chegar na hora certa ao seu destino.
Assim, o motociclista profissional, popularmente chamado de motoboy, é considerado o grande vilão do trânsito. Claro que alguns representantes da categoria são abusados e muitas vezes inconseqüentes e irresponsáveis – porém muitos trabalham sobre a pressão do cronômetro. Ou seja, tem a missão de fazer o maior número de entregas possíveis no mesmo dia. Mas a história está mal contada.
Segundo dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), em 2006, dos 380 acidentes fatais evolvendo motociclistas na cidade de São Paulo, apenas 23% das vítimas atuava na atividade de entregas rápidas. Em 2008 esse número caiu para 14%. Ou seja, a grande maioria que morreu no trânsito da capital paulista era motociclistas, que utilizam a moto como meio de transporte.
Contrário ao projeto de lei, Lucas Pimentel, presidente da Abram (Associação Brasileira de Motociclistas), diz que o mais sensato seria a criação de um divisor de faixa de rolagem diferenciado entre a faixa 1 e 2, a fim de regulamentar a passagem das motocicletas e proibir a passagem das motos entre as demais faixas de rolagens.
“Nossa preocupação não é com a fluidez, mas sim com a segurança do motociclista. Muitos acidentes acontecem pela mudança repentina de faixa por parte dos carros. Muitos motoristas desatentos ou irresponsáveis nem olham nos espelhos retrovisores. Além disso, o tempo de frenagem do carro é totalmente diferente se compararmos com a motocicleta. A colisão traseira será inevitável, se as motos forem obrigadas a andarem atrás dos carros”, conta o presidente da Abram, prevendo uma carnificina caso seja proibida a passagem da motocicleta pelo corredor.
Há 38 anos usando a moto diariamente como meio de transporte, o executivo Nicolás Lagomarsino faz coro com Lucas Pimentel. “Sou totalmente contra a eventual proibição da circulação de motos nos corredores”, conta o piloto, dizendo que a motocicleta é um veículo econômico, menos poluente e mais racional do que um automóvel. Portanto, seu uso deveria ser incentivado e não restringido.
“Querer que as motos ocupem o mesmo espaço de um carro é surreal nas condições das grandes cidades brasileiras. Teoricamente, se as motos fossem proibidas de circular nos corredores e se respeitassem essa proibição, o trânsito se tornaria ainda pior. A cidade seria paralisada, pois isso equivaleria a acrescentar milhares de veículos a uma cidade já tão sobrecarregada”, conclui Lagomarsino.
Nicolás Lagomarsino também faz uma análise socioeconômica se a lei passar pelo Senado e for sancionada pelo presidente Lula. “O transporte em moto e o serviço de moto frete perderiam o sentido. Dezenas de milhares de pessoas ficariam sem atividade, causando uma comoção social. Além disso, sem a moto, não existiriam entregas rápidas (muitas vezes de medicamentos), os bancos não conseguiriam operacionalizar seus serviços, publicações não poderiam ser feitas a tempo, enfim, uma enormidade de serviços que a população utiliza não seria mais possível de ser realizada. Isso sem falar na impopularidade da medida”, conta o executivo.
Seguindo a linha de raciocínio dos motociclistas Lucas Pimentel e Nicolás Lagomarsino, o presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas do Estado de São Paulo (Sindimoto), Gilberto Almeida dos Santos, afirma que o projeto é arbitrário e ignora as verdadeiras ameaças à segurança dos motoristas. “O problema dos acidentes não está no tráfego de motos entre veículos, mas sim pela falta de educação dos condutores de forma geral”, explica.
O sindicalista ainda questiona: “Como é possível, em um trânsito como o de São Paulo, por exemplo, discriminar o motociclista, impondo uma restrição absurda, tendo em vista a versatilidade do veículo de duas rodas, ferramenta importantíssima para ajudar a desafogar o trânsito?”
Em entrevista ao telejornal matinal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, o professor David Duarte, da Universidade de Brasília (UnB) é favorável ao projeto de lei. Segundo o doutor em segurança de trânsito, o País gasta entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões só com acidentes de motos. “O número de motocicletas aumenta a cada ano e o número de mortos e feridos também”, afirma Duarte, dizendo que além da aprovação da nova lei, é preciso aumentar a fiscalização sobre a motocicleta e seu condutor.
Polêmicas à parte, todos concordam que o governo Federal e a indústria de duas rodas devem promover campanhas educativas e de uso racional da motocicleta, além de investir em sinalização e fiscalização. A outra grande preocupação é investir em uma melhor formação e também na educação dos novos motociclistas e motoristas para que haja um convívio pacífico entre as partes.