Banco Central e Ministério da Fazenda vão adotar medidas para estimular a concessão de crédito para compra de veículos nos próximos meses. Na quarta-feira, 20, pela manhã o BC anunciou a liberação de mais R$ 10 bilhões do depósito compulsório dos bancos e reduziu em R$ 15 bilhões as provisões de risco, somando R$ 25 bilhões que devem ser injetados no mercado de financiamentos já a partir da segunda-feira, 25. Em julho a autoridade monetária já havia liberado R$ 45 bilhões das mesmas fontes. À tarde, foi a vez de Guido Mantega, ministro da Fazenda, anunciar mais incentivos, incluindo uma velha demanda dos fabricantes de veículos e concessionários: mudanças na legislação para facilitar a retomada de carros em caso de inadimplência, considerada um dos principais entraves para o aumento das concessões.
“As medidas anunciadas pelo ministro Mantega trazem melhoria significativa no regulamento dos créditos ao aprimorar a segurança jurídica, simplificar as operações de crédito e, em última análise, premiar o adimplente, ao contrário do marco regulatório anterior, que beneficia o inadimplente”, avaliou em nota Luiz Moan, presidente da associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea. “Com relação às medidas anunciadas pelo Banco Central, apoiamos e entendemos que o aumento da liquidez é positivo, pois terá efeitos diretos e indiretos na economia como um todo e, consequentemente, no setor automotivo”, acrescentou.
Mais recursos para o crédito
Na prática, o BC desmontou o pacote de medidas conservadoras do fim de 2010, que desestimulava financiamentos longos para compra de veículos com aumento de depósito compulsório e provisões para esses tipos de empréstimos. Agora foi feito o contrário: o BC permitirá que até 60% do recolhimento compulsório relativo a depósitos a prazo sejam usados para contratações de novas operações de crédito ou compra de carteiras de outras instituições. Em julho, esse porcentual havia sido definido em 50% e os 10% a mais liberados desta vez significam R$ 10 bilhões adicionais injetados no mercado, que vão se somar aos R$ 30 bilhões flexibilizados anteriormente. A medida estimula o crédito porque se o banco não fizer novas concessões ou comprar carteiras, esse dinheiro será retido pelo BC sem remuneração.
Especificamente para novos financiamentos de veículos, o BC criou um estímulo extra: definiu que, para dedução de 60% do recolhimento compulsório com esta modalidade, os bancos deverão elevar em 20% o saldo de suas carteiras de automóveis na comparação com a média do primeiro semestre de 2014. Quem não fizer isso não poderá deduzir o valor do depósito compulsório sem remuneração. Ou seja, os bancos vão ter de aumentar em 20% o valor de seus financiamentos de carros para obter a dedução. “Para ter ganho com a medida, tem de fazer mais do que fazia antes”, confirmou o chefe do Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos do BC, Daso Coimbra.
Ao mesmo tempo em que elevou a parcela dos depósitos compulsórios que podem ser direcionada a nova operações de crédito, o BC voltou a reduzir o requerimento mínimo de capital para risco. Com essa medida, foram liberados cerca de R$ 15 bilhões, com potencial de geração de novas concessões de até R$ 140 bilhões, segundo calcula o chefe do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do BC, Caio Ferreira. Esses recursos também se somam aos R$ 15 bilhões liberados em julho, totalizando R$ 30 bilhões.
O BC reestabeleceu em 75% o fator de ponderação de risco para todas as operações de crédito de varejo, independentemente do prazo. Antes esse fator chegava a até 300% em alguns casos. Ferreira lembrou que em 2010 havia a necessidade definir regras mais rigorosas, principalmente porque as concessões estavam com prazos muito longos e garantias inadequadas. Atualmente, segundo Ferreira, os bancos estão mais criteriosos e por isso não há risco à estabilidade do sistema financeiro.
Somando tudo, entre julho e agora o BC injetou R$ 70 bilhões (R$ 40 bilhões em compulsórios mais R$ 30 bilhões em provisões) no mercado de crédito. A modalidade de financiamento de veículos é uma das principais beneficiadas pela medida, pois vinha reduzindo o saldo com a maior seletividade dos bancos na aprovação de novas operações, por causa do aumento da inadimplência. Contudo, ainda é incerta a propensão dos bancos em emprestar mais, bem como a dos clientes em tomar empréstimos em momento de turbulência econômica.
Retomada facilitada
O governo também decidiu atacar o principal problema apontado pelos bancos para reduzir a inadimplência e a consequente resistência em emprestar. O Ministério da Fazenda anunciou que deverá ser editada medida provisória para facilitar a retomada de veículos de clientes inadimplentes. Essa era uma das principais dificuldades para se aumentar a concessão de crédito no setor. Segundo Flávio Meneghetti, presidente da federação dos concessionários, a Fenabrave, no Brasil são localizados apenas 15% dos veículos com atraso nos pagamentos e o processo de retomada leva 210 dias, em média. Esse era um custo não coberto pela própria garantia da operação: o carro.
Isso ocorria porque a instituição financeira credora precisava entrar com uma ação judicial para retomar o veículo. Pela proposta a ser encaminhada ao Congresso, o governo retira essa obrigação e assim facilita a retomada de bens móveis (carros, caminhonetes, caminhões, ônibus, tratores e máquinas agrícolas) em caso de inadimplência. O tomador do empréstimo poderá autorizar diretamente a recuperação do bem financiado em caso de atraso nos pagamentos, dispensando ações na Justiça. A medida beneficiará operações sem garantia de até R$ 100 mil e operações com garantia de até R$ 50 mil. Acima desses valores, continua a necessidade de cobrança judicial.
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a mudança será feita por meio de emenda a projetos de lei em tramitação no Congresso e permitirá que os bons pagadores consigam financiamentos com juros mais baixos e maior segurança jurídica.
Os atrasos nos pagamentos dos financiamentos de veículos mostraram-se bastante danosos aos bancos nos últimos anos. Os valores devidos com atrasos superiores a 90 dias fecharam junho em 4,9% dos contratos ativos, ou R$ 9,1 bilhões, contra 5,2% no início de 2014, R$ 10 bilhões, e 5,9% nos 12 meses anteriores, somando R$ 11,4 bilhões. Com a dificuldade da retomada das garantias para mitigar as perdas, as instituições financeiras precisavam jogar a conta na coluna do prejuízo e formar altas provisões para cobrir o rombo.